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Chico César: “O Brasil precisa de um pacificador”

Written by on September 23, 2022

Chico César Músico - Camões Rádio - Brasil

Foto: Pedro Granadeiro / Global Imagens

É um dos vultos que atua na edição inaugural do festival MIMO no Porto. Chico César traz disco novo ao Largo Amor de Perdição, esta sexta-feira, às 22.30 horas.

 

Começou como jornalista, mas o apelo da música foi mais forte. Estreou-se na gravação em 1995, com “Aos vivos”, e chegou agora ao décimo título com “Vestido de amor”, álbum que será protagonista do seu concerto no MIMO. Teve cargos públicos e foi conquistando o Mundo com a sua voz e violão. Falou ao JN sobre música e a atual situação política no Brasil.

Sobre o que é que quis falar em “Vestido de amor”?

Passamos todos por um período complicado com a pandemia e eu quis trazer para o Mundo uma espécie de resumo do que eu queria dizer se escapasse com vida. Muitas das canções foram compostas durante o confinamento e tematizam algumas das questões que surgiram, como “Flor do figo” ou “Pausa”, que diz assim: “As lágrimas lavaram o mundo/ o pranto não cessou/ era um buraco tão fundo que o dilúvio não findou.” Eu aqui estava a perceber que a pandemia era de cauda longa, que iria marcar várias gerações e deixar a lembrança de algo muito diferente que acontecera à humanidade, como as duas guerras mundiais ou a gripe espanhola.

Interessou-lhe mais registar os estados de espírito durante a pandemia, ou projetar o que poderia vir depois?

Quando percebi que a situação teria um fim e que haveria mais vida, inclusive para mim, quis falar também do amor e da importância do Nordeste brasileiro e de África, essa mistura que é algo essencial para a minha permanência no Mundo como ser humano e artista.

E do ponto de vista da sonoridade, onde situa o álbum no contexto da sua discografia?

Este é o primeiro disco que gravo fora do Brasil; com um produtor francês, com músicos brasileiros que vivem na Europa, com músicos africanos e europeus. As canções têm algo que acentua um aspeto diaspórico da minha música, porque ele bebe da diáspora africana e brasileira. Eu mesmo sou diaspórico – africano no Brasil e brasileiro na Europa gravando um disco. Diáspora para mim é movimento, é estar em trânsito num Mundo que é de todos. Um africano não tem de ser menos cidadão na Europa e a sua música não tem de ser mais ou menos relevante num continente ou no outro. O disco resolveu bem essas nuances que às vezes são mais de atrito que de acolhimento. E “Vestido de amor” é um disco de acolhimento sonoro, entre o Brasil, África e Europa.

Já foi Secretário de Cultura do estado da Paraíba. Consideraria voltar a ter cargos políticos na atual situação?

Nem tem a ver com a situação, tem a ver comigo. Eu nem quero voltar a casar, nem voltar a ser gestor público. Adorei estar casado, adorei ser gestor público, mas não quero mais nem uma coisa nem outra. Porque eu, enquanto sociedade civil e como homem solteiro, sinto-me muito feliz e acho que a minha melhor contribuição para o Mundo se dá nestas condições.

E sobre o momento político do Brasil, que se aproxima de um ato eleitoral, que expectativas tem?

Olho para este momento com muita alegria e esperança. Paulo Freire [educador e filósofo brasileiro] criou um verbo chamado “esperançar” – que é uma esperança ativa, em movimento. Vejo que o Brasil passou os últimos seis anos num declínio profundo, do ponto de vista ético, da política, da negação dos valores da republica, da negação dos direitos humanos, da diversidade. E tenho a sensação que batemos no fundo, que estas eleições são o ponto em que tudo vai virar. Mas é como virar um transatlântico, tem de girar devagarinho. Temos de entender que o regresso do Lula é muito diferente da chegada do Lula. Ele volta como um pacificador, não como um transformador. E nós precisamos de um pacificador neste momento, os sentimentos no Brasil estão muito conflagrados. Na candidatura dele, até chamou para vice-presidente um homem do centro-direita, ligado à Opus Dei [Geraldo Alckmin].

Um gesto de conciliação?

O próprio Lula diz que é impossível fazer sanduíches só com pão ou só com o recheio, tem de se misturar, se não, não fica bom. E o Brasil não pode ser bom só para mim – tem de ser bom para todos, também para as pessoas que pensam de forma diferente da minha. O facto é que o Brasil mergulhou numa intolerância que não combina com o país. Lévi-Strauss olhou para o brasileiro como o homem cordial – e nós vemo-nos assim: brancos convivem com pretos, intelectuais com putas, e está tudo certo, e rola um samba. Esse Brasil tem sofrido.

Receia que as divisões na sociedade possam escalar para uma guerra civil?

Guerra civil não creio, as forças armadas não estão univocamente ao lado de Bolsonaro. O país tem instituições sólidas, a comunicação social vai estar de olho, a comunidade internacional também. Vão acontecer escaramuças, isso acredito. Mas vai haver uma transição regular. As infraestruturas mudam rapidamente, mas a superestrutura, o pensamento, leva mais tempo. Hitler, de horrenda memória, morreu há quase 80 anos e ainda há nazis. Não é por sair Bolsonaro que vai deixar de haver bolsonaristas. O caldo que deu origem a Bolsonaro continua a existir e é preciso diluí-lo, colocar novos elementos no caldo da política.

 

 

Fonte: JN