Letreiro de Hollywood: 100 anos de um ícone americano
Written by Fabiane Azevedo on July 13, 2023
Um conjunto de letras brancas desalinhadas na encosta sul do Monte Lee, em Los Angeles, tornou-se um monumento físico e imaterial. No centenário desta “estrela” do cinema, percorremos as suas fases e histórias, entre a tragédia e o fascínio do simbolismo.
“É possível que o letreiro de Hollywood seja único entre os ícones americanos. É um ponto de referência cujas letras maiúsculas brancas são conhecidas em todo o mundo como o principal símbolo do cinema. Dia após dia, turistas com câmaras fotográficas vagueiam pelos arredores do Griffith Park ou sobem e descem as ruas de Hollywood Hills, tentando posicionar-se para o melhor ângulo possível do letreiro. Mais do que qualquer outra vista em Los Angeles, o letreiro de Hollywood ao fundo da foto prova que de facto estivemos lá.”
Assim começa por apresentar Leo Braudy, no livro The Hollywood Sign: Fantasy and Reality of an American Icon, a menina dos nossos olhos. E continua o respeitado académico americano (da área dos estudos culturais, em particular, da história e crítica cinematográfica): “Para os cinéfilos e tantos outros, o letreiro representa o lar terreno daquele mundo etéreo de fama, estrelato e celebridade – o objetivo das aspirações americanas e mundiais de estar no centro das atenções, de ser, como o próprio letreiro de Hollywood, instantaneamente reconhecível.” Neste excerto está a essência das nove letras cravadas no imaginário de Los Angeles. A saber, um lugar físico que mal se deixa tocar e uma ideia absoluta de sonho, como aquela que as movie starsrepresentaram ao longo das décadas.
O dia exato em que surgiu na encosta sul do Monte Lee é um segredo dos deuses. Durante muito tempo fixou-se a data de 13 de julho de 1923 (ainda aparece como referência no Google), mas segundo a Hollywood Sign Trust, organização sem fins lucrativos criada para garantir a manutenção do letreiro, essa data não se confirma em definitivo. E a razão é simples: o que hoje se impõe como o grande monumento de Los Angeles começou por ser um anúncio provisório para um novo empreendimento imobiliário em Hollywood Hills…. Ou seja, não havia matéria noticiosa para pegar.
Uma pesquisa nos jornais da época dá conta apenas de uma nota publicitária no Los Angeles Times de 10 de junho de 1923, com os detalhes da obra. Mas o letreiro propriamente dito só despertou as atenções no final desse ano, pela natural imposição das suas letras luminosas, que piscavam à noite no declive do monte, em três fases: “Holly”, depois “wood” e “land”. Sim, porque antes dos célebres nove caracteres, eram treze.
A construção da mitologia e uma tragédia
Se o letreiro “Hollywoodland” teve direito à tal pequena menção no Los Angeles Times, isso deve-se ao facto de um dos seus promotores, Harry Chandler, ser à época o editor do jornal. Estamos a falar, basicamente, de um outdoor de 21 000 dólares, com treze letras de 15 metros de altura suportadas por uma estrutura de andaimes e cabos, que não deveria ir além dos 18 meses de exposição.
Contudo, algo estava a acontecer na vizinhança: Los Angeles assistia ao crescimento da indústria do cinema americano, e esta foi ficando cada vez mais associada à palavra visível na encosta. Uma está para outra como “Fleet Street em Londres para os jornais ou Wall Street em Nova Iorque para as finanças; uma abreviatura para estrelas e filmes”, escreve Braudy.
O dia chegou em que a tragédia deu ao letreiro o seu terminante simbolismo. É a história da jovem atriz britânica Peg Entwistle, que acabada de chegar à indústria cinematográfica, e após algum sucesso na Broadway, cometeu suicídio aos 24 anos atirando-se do cimo da letra “H”. Corria o ano de 1932 e antes da sua morte praticamente ninguém sabia quem era Entwistle – também não ficariam a saber se fosse pela migalha de tempo em que aparece no filme Thirteen Women, a sua única passagem pelo grande ecrã, que se estreou pouco antes do acontecimento funesto, com os 16 minutos das suas cenas originais a serem reduzidos para cerca de 4. Porquê? Tratava-se de uma personagem lésbica e o código moral/censura de Hollywood não permitia o mínimo indício de tal “desvio” de comportamento…
Por certo, Peg Entwistle não tirou a própria vida exclusivamente na sequência desta desilusão fabricada na sala de montagem dos estúdios da RKO – um olhar mais aprofundado sobre a sua vida confirma-o -, mas terá pesado sobre ela a ideia do fracasso em terra de grandes esperanças. Apesar de a nota de suicídio não fazer qualquer referência particular (“Tenho medo, sou uma cobarde. Lamento muito por tudo. Se tivesse feito isto há mais tempo, teria poupado muita dor”), o seu ato concreto num local tão específico acabou por firmar a mitologia da atração e do infortúnio conotados àquelas letras brancas. “A rapariga do letreiro de Hollywood”, assim ficou conhecida pelos tabloides. Na minissérie revisionista Hollywood (2020), o showrunner Ryan Murphy evocou a memória dela através da produção fictícia de um filme biográfico que reúne um conjunto de personagens.
Os restauros
Em 1944, o letreiro tornar-se-ia património da cidade de Los Angeles, depois de o período da Grande Depressão ter levado à falência do empreendimento que originalmente este anunciara. Por essa altura, as letras já estavam em avançado processo de degradação e no final da década a Câmara de Comércio de Hollywood procedeu pela primeira vez a um restauro, removendo a cauda da palavra: “Land” (terra). Um restauro que passou inclusive por um debate público em que se considerou a hipótese de remover mesmo todo o letreiro. Para que se perceba, a condição deste monumento improvisado não é muito diferente da Torre Eiffel: quando foi apresentada, os artistas franceses disseram horrores da estrutura (deveria ser demolida ao fim de 20 anos), mas com a passagem do tempo tornou-se o emblema de Paris enquanto cidade romântica. Ora o caso dos angelinos com o seu o seu outdoor feito objeto de culto também não foi amor à primeira vista.
De novo, em 1978, altura em que o letreiro já tinha estatuto oficial de monumento, o seu mau estado levou o fundador da revista Playboy, Hugh Hefner, a organizar uma recolha de fundos para o fazer renascer. E assim foi: com leilões simbólicos de 27 700 dólares por letra refez-se a palavra branca no Monte Lee. Mais recentemente, por ocasião deste ano de centenário, levou uma nova camada de tinta, como qualquer estrela que preze a sua imagem…
Os turistas, as brincadeiras e os filmes
Pegando mais uma vez no livro de Leo Braudy, este reflete brilhantemente sobre a relação entre o turista contemporâneo e o letreiro: “Como diz uma personagem dos desenhos animados King of the Hill, quando apresentado a uma celebridade: “Tu deves lembrar-te de mim. Já te vi na televisão”. De facto, pensamos que conhecemos as celebridades, embora elas não nos conheçam, da mesma forma que o “Hollywood” sobre o ombro dos visitantes empresta uma aura de status e prestígio porque estão perto dele. Em vez de se olhar para o Liberty Bell ou o Lincoln Memorial e apreciar a sua importância e a história que representam, olhamos para o letreiro de Hollywood e ele olha-nos de volta, ampliando o nosso sentido de notoriedade através da sua aura simbólica.”
Esta reflexão é valiosíssima, porque ilustra um fascínio singular dentro dos padrões turísticos. Na verdade, a metáfora da celebridade é perfeita também para falar do aspeto prático do quase impossível acesso ao letreiro. Não só a zona que o rodeia é íngreme e selvagem (podem andar por lá uns coiotes ou uns répteis venenosos) como não dá para chegar de carro, e mesmo a caminhar por trilhos de vários quilómetros, das duas uma: ou o GPS indica apenas o Observatório Griffith, ou, chegados o mais perto possível, vêem-se as letras brancas através de uma cerca de arame com um sistema de vigilância.Mais sorte teve a recém-oscarizada Michelle Yeoh, que em 1997 passou por cima do letreiro pendurada num helicóptero, para efeitos de uma reportagem de capa da National Geographic…
A mística do letreiro de Hollywood presta-se a este tipo de fantasias. Ainda na década de 1940 o magnata excêntrico Howard Hughes planeou construir uma casa no pico atrás das letras, como gesto romântico do seu noivado com a atriz Ginger Rogers, não obstante ela ter-se borrifado para a ideia maluca de passar o resto da vida isolada naquele ermo, e com ele. Já em anos posteriores as icónicas letras foram alvo de várias brincadeiras, para alterar a sua leitura. Durante a visita do Papa João Paulo II a Los Angeles, lia-se “Holywood”; houve nos anos 1990 um “Go UCLA”, referente ao jogo anual de futebol americano entre as universidades UCLA e USC; em 2017 alterou-se para “Hollyweed”, aludindo à promulgação de leis mais flexíveis para o uso de Cannabis (tinha-se feito a mesma piada em 1976); e em 2021 meia dúzia de pessoas foram presas depois de alterarem para “Hollyboob”… Desta feita, um ato de vandalismo.
No cinema há uma lista enorme de destruições do letreiro, sendo a grande maioria em filmes catástrofe pouco relevantes. Mas entre as aparições estimáveis, vale a pena recordar duas: no primeiro Superman (1978), de Richard Donner, em que uma imitação tosca do monumento, abanada pela abertura de uma fenda na terra, ameaça desabar sobre um grupo de escuteiras que ali se encontra, e em Robin Hood: Heróis em Collants (1993), de Mel Brooks, em que o herói sabe que chegou à terra natal quando vê o letreiro “England”, no cimo de uma falésia – claro, letras brancas garrafais com a configuração das de Hollywood. Para além de hilariante, é talvez a mais inteligente das citações, a provar a imaterialidade do ícone, dentro da sua forma ultra reconhecível.