Drogas e sexo. A “infância de deboche” do vocalista dos Red Hot Chili Peppers
Written by Camões Radio on July 6, 2023
Drogas e sexo. A “infância de deboche” do vocalista dos Red Hot Chili Peppers
Quando recebeu os primeiros papéis como ator, Anthony Kiedis preferiu apresentar-se sob o nome artístico de Cole Dammett. A inspiração era óbvia: foi também graças ao pai, Blackie Dammett, que começou a dar os seus primeiros passos em Hollywood — mas não só.
Dammett era, claro, também o nome artístico de John Michael Kiedis, a figura paternal que, durante os primeiros anos de vida do vocalista dos Red Hot Chili Peppers, esteve pouco presente. Com os pais separados desde os três anos, o músico fazia questão de passar pelo menos duas semanas com o pai, por altura das férias de verão. Uma pausa na vida pacata que tinha em Grand Rapids, no estado do Michigan.
Durante uma década, essas duas semanas anuais tornaram-se numa viagem louca e inesperada. A vida a alta velocidade do pai em Hollywood era magnética. Tão magnética que, aos 12 anos, Kiedis decidiu mudar-se de vez para a Califórnia para viver com o pai, um dos grandes responsáveis pela vida furiosa de um dos grandes nomes do rock das últimas décadas — e que esta quinta-feira, 6 de julho, passa pelo por Lisboa, no palco do NOS Alive.
Será pouco provável que o toque no espetáculo do festival, mas “Savior”, tema de 1999 do premiado álbum “Californication”, foi inteiramente dedicado ao pai, com quem teve uma relação de altos e baixos. Dammet morreu em 2021, mas não sem antes revelar os segredos da sua relação com Kiedis.
Numa entrevista à “BBC”, num programa sobre os pais das estrelas rock, Dammett recita a letra de “Savior”. “Ele diz que me perdoa por tudo o que tinha contra mim. Diz que me vê sob uma nova luz, que me vê de uma forma através da qual não foi capaz de me ver durante muito tempo”, explica, visivelmente comovido. “Diz que tudo o que ele é veio de mim.”
Dammett sonhava ser ator. Chegou a ter alguns papéis secundários em peças e filmes — numa das mais conhecidas, faz de traficante de droga que é enxovalhado e preso por Mel Gibson em “Arma Mortífera” — mas nunca singrou. Isso nunca o impediu de mergulhar no estilo de vida das estrelas, entre festas recheadas de drogas, onde trocava impressões com outros atores, músicos e desportistas.
Foi a essa realidade que Kiedis esteve exposto desde pequeno. Uma opção “estratégica” de Dammet, afiança agora, anos mais tarde. “O meu pai dava-me imensas tareias. Se eu fazia algo de errado, apanhava. Não podia fazer nada, não podia ir a lado nenhum, não podia dizer nada”, recordou. “Quando ainda era miúdo, decidi que quando tivesse um filho, nunca o trataria como o meu pai me tratava.
Durante duas semanas por ano, Kiedis recebia um livre-passe para “fazer tudo o que queria”. “Sempre esteve exposto ao deboche, a drogas, a mulheres bonitas — a tudo aquilo de que eu gostava”, notou. Para o vocalista dos Red Hot Chili Peppers, eram as duas semanas mais aguardadas do ano. “Aquelas viagens à Califórnia eram os momentos mais felizes e mais despreocupados da minha infância”, recordou na sua autobiografia.
Olhando para trás, Dammett considerava que o filho tinha tido uma “ótima educação”. “Tinha a educação mais rígida do Midwest, mas quanto estava comigo, era uma loucura. Não tinha medo de o levar a qualquer lado e a fazer fosse o que fosse”, recordava.
Eram os “melhores amigos”, a “dupla perfeita”. Kiedis tornou-se numa espécie de Dammett em miniatura, sempre vestido com roupas iguais às do pai. Da estética ao comportamento, foi um pequeno passo. O ator, sem capacidade para garantir grandes papéis, tornou-se numa espécie de dealer dos famosos.
Nas suas festas, havia um pouco de tudo. Kiedis, que via o pai a consumir, ficou naturalmente curioso. “Começámos a experimentar (…) Nos círculos em que eu me movia, toda a gente consumia. Ninguém tinha vergonha de tomar drogas, era aceitável. Ele tinha curiosidade e deixei-o experimentar. Andava tudo em ácidos, a dançar pela casa… Deixava-o tomar um bocadinho de ácido ou marijuana com frequência. Na altura, não era nada do outro mundo.”
Kiedis também partilhou alguns dos momentos vividos nessas férias, quando ainda não tinha entrado na adolescência. Tinha apenas 12 anos quando fumou marijuana pela primeira vez. “Estava lá [em casa do pai] há poucos dias quando ele me chamou para a cozinha. Estava sentado à mesa com uma miúda gira de apenas 18 anos com quem ele andava a sair nessa semana. ‘Queres fumar um charro?’, perguntou-me. Eles acenderam-no e passaram-mo.”
O pai deixou um aviso: “Tem cuidado, não inales demasiado, não queres começar a tossir os pulmões fora.” Kiedis gostou. “Adorei a sensação. Parecia um remédio para suavizar a alma e enaltecer os sentidos.” Passaram a consumir juntos. Primeiro erva, depois cocaína. Um dia, recorda o vocalista, enganou-se no pó e consumiu heroína em vez de cocaína. A vida passada entre clínicas de reabilitação acabara de começar.
A visão de Dammett sobre a educação que pretendia dar ao filho foi altamente influenciada pela sua própria experiência, como atesta na entrevista à “BBC”. “Cresci numa altura em que queríamos fazer sexo, mas nos anos 50 [os miúdos] não faziam sexo”, recordou. “Queria que ele fosse o primeiro rapaz da turma a fazer sexo, em vez de ser o último, como eu fui.”
O ator vivia rodeado de mulheres bonitas, algumas muito jovens. “Tinha imensas namoradas. Quando o Anthony tinha 12 ou 13 anos, elas eram pouco mais velhas que ele, porque eu só namorava miúdas novas. Uma delas, a Kimberly, muito gira, era o tipo de rapariga com quem seria sempre bom ter a primeira vez. Ela concordou e eles tiveram sexo.”
Kiedis aproveitou também a sua biografia para revisitar o momento. Terá sido o próprio a pedir permissão ao pai para ter relações com ela quando a jovem dançava para eles num bar de Los Angeles. Dammett consentiu, levou-os para casa e terá sido o próprio a preparar a cama para ambos.
Embora parecesse, Dammett não era um alienado. Sabia que este tipo de educação era tudo menos tradicional. “Sei bem que a maioria das pessoas acha que eu sou maluco. Mas que mal veio daí ao mundo? Não lhe fez mal nenhum. Ele gostou e ela também.”
Com 12 anos, Kiedis tomou uma decisão marcante: quis fazer dessas duas semanas a sua vida diária. Deixou a mãe em Grand Rapids e mudou-se com o pai para Los Angeles, onde viria a conhecer os futuros companheiros de banda. Começou a fazer música, tornou-se famoso, assinou o seu primeiro contrato e o dinheiro começou a entrar.
O filho acabou por adotar os hábitos do pai. Em 1986, Kiedis deu início a uma relação com a atriz Ione Skye. Ele tinha 24 anos, ela apenas 16. Noutra circunstância, depois de um concerto, conheceu uma fã, que levou consigo para o espectáculo do dia seguinte. Horas mais tarde descobriu que a jovem tinha apenas 14 anos, era filha do chefe da polícia local — e tinha saído de casa sem avisar a família.
“Não fiquei assustado. Algures na minha louca cabeça, sabia que se ela dissesse ao pai que estava apaixonada por mim, ele não me iria levar para um descampado para me dar um tiro na cabeça. Mas queria levá-la a casa o mais rapidamente possível — e, por isso, fiz sexo com ela mais uma vez”, escreveu na autobiografia.
Nessa época, de bolsos cheios, Kiedis entregou-se ao vício da droga. Um cenário estranho a Dammett. “Nunca vi as drogas como algo de terrível. Nunca fui viciado, nunca tive de fazer reabilitação. Mas passei grande parte da minha vida com o Anthony nas clínicas. Ele passava lá a vida”, recordou.
Nas biografias das estrelas, é raro não haver um capítulo dedicado às drogas e à dependência. Dammett sabia que “todos passam por isso”. “Mas ele era meu filho. E estava entre a vida e a morte”, notou. Kiedis chegava a desaparecer durante semanas. O dinheiro fluía tão rapidamente da conta que os contabilistas se viam forçados a cancelar todos os cartões. Kiedis aparecia frequentemente a cambalear pelas ruas sozinho e dormia em becos.
“Dava-lhe sermões, mas percebia porque é que ele me respondia: ‘Olha quem fala. Tu experimentaste muita droga, agora é a minha vez.’ Ele esteve o mais próximo possível da morte”, confessou Dammett que, eventualmente, foi atingido por um sentimento de culpa.
“Se me senti culpado? Sim, mas sentia-me sobretudo mal. Pensou que ele nunca me culpou, mas a certo ponto percebi que havia alguma amargura. Depois olhas para ti próprio e pensas que talvez tenhas cometido erros, que talvez não devesses ter feito isto ou aquilo”, contou. “Mas depois também ficas zangado, porque ele também tinha os círculos dele, as influências, outras pessoas com quem se dava. Porque é que a culpa há-de ser toda minha?”
O vício colocou em perigo a relação de Kiedis com os colegas de banda e até o próprio futuro dos Red Hot Chili Peppers. Entre saídas e entradas de clínicas, o vocalista acabou por se livrar da toxicodependência e regressar aos palcos e aos sucessos. Hoje, continuam a ser uma das bandas de rock mais icónicas das últimas quatro décadas.
Dammett, que viveu tempo suficiente para ver o seu filho entrar para o Hall of Fame do rock, não se arrependeu de nada. “A maioria das pessoas criticou-me pelo meu comportamento, mas a úncia coisa que lhes posso dizer é: vejam como tudo isto terminou”, desabafou. “Tinha uma estratégia e creio que funcionou. Muitos podem achar que errei, mas para mim, errado teria sido deixar o Anthony crescer no Midwest para um dia trabalhar como mediador de seguros.”
Fonte: NiT/ Daniel Vidal